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10/21/2020

Temperatura absoluta negativa em sistemas quânticos

O conceito de temperatura pode ser entendido de inúmeras maneiras. Por meio de nossos sentidos, somos levados a relacionar temperatura com “estar frio” ou “estar quente”, o que não está errado, mas se torna um conceito muito relativo, pois se torna diferente de pessoa para pessoa.

Então de maneira mais geral, podemos pensar em temperatura como uma medida da agitação das moléculas que compõem um sistema. Em mecânica estatística, o teorema da equipartição é uma equação geral que relaciona a temperatura de um sistema com a sua energia média. Segundo esse teorema “A cada grau de liberdade de uma molécula, ou seja, a cada modo independente de que a molécula dispõe para armazenar energia, está associada, em média, uma energia ${{1}\over{2}}  k_B T$  por molécula”, resumindo temos: $< E_{cinetica}>= {{f}\over{2}}  k_B T$, onde $f$ é o número de graus de liberdade de uma molécula.

A ideia central desse teorema é a de que, em equilíbrio térmico, a energia é partilhada de maneira igual entre as suas várias formas. Segundo o teorema para o caso de um gás ideal monoatômico ($f=3$), a energia cinética média de uma molécula é igual a $< E_{cinetica}>= {{3}\over{2}}  k_B T$, por outro lado se o gás for diatômico a molécula terá dois graus de liberdade a mais devido a possibilidade dela rotacional em duas direções, tento assim $< E_{cinetica}>= {{5}\over{2}}  k_B T$. Este teorema é valido para diversos sistemas em equilíbrio termodinâmico, porem ele deixar de ser valido em temperaturas suficientemente baixas onde devemos considerar os efeitos quânticos.

Para medir a temperatura podemos utilizar diferentes unidades de medida como as escalas Celsius e Fahrenheit, as quais possuem valores positivos e negativos, mas além dessas existe a escala Kelvin, também chamada de escala absoluta por que segundo a termodinâmica clássica, ela é definida em termos de propriedades gerais da matéria, diferente, por exemplo, da escala célsius que é definida em termos das propriedades específicas da água, como o ponto de fusão e o ponto de ebulição da água, os quais variam com a altitude. A menor temperatura possível na escala Kelvin é o zero Kelvin, pelo era o que acreditavam até 1951 quando foi publicado o primeiro trabalho experimental sobre temperatura negativa.

Entropia

Para compreender melhor o conceito de temperatura negativa precisamos saber o que é entropia. Segundo Rudolf Clausius, que utilizou a ideia de entropia pela primeira vez em 1865, para o estudo da entropia como grandeza física é mais útil conhecer sua variação do que seu valor absoluto. Assim, Clausis definiu que a variação de entropia ($\Delta S$) em um sistema e dada pela seguinte equação: $\Delta S= {{\Delta Q}\over{T}}$, onde $\Delta Q$ é uma quantidade de calor trocada em uma temperatura $T$ durante um processo reversível.

A entropia normalmente é tratada como a medida de desordem das partículas em um sistema. Porém, o sentido de “desordem” cria algumas ideias erradas. Pois, a entropia está relacionada com o número de configurações possíveis para um determinado sistema.

Utilizando mecânica estatística, Boltzmann desenvolveu em 1896 uma equação para a entropia ($S=k_B \ln \Omega$) esta equação que é capaz a calcular a entropia com base no número de microestados ($\Omega$) de um sistema para uma dada energia fixa, ou seja, a fórmula de Boltzmann mostra a relação entre a entropia e o número de maneiras pelas quais os átomos ou moléculas de um sistema termodinâmico podem ser organizados quando possuem uma dada energia.

Temperatura

Não é possível um sistema físico alcançar o zero Kelvin, mais é possível alcançar temperaturas menores. Sistemas que alcançam uma temperatura negativa na escalar Kelvin não são mais frios que os sistemas com uma temperatura positiva, pelo menos não no sentido convencional que estamos acostumados, pois, se colocamos um sistema com temperatura positiva em contado com outro sistema de temperatura negativa, a energia térmica irá fluir do sistema com temperatura negativa para o sistema de temperatura positiva.

Um sistema com temperatura negativa é mais “quente” do que qualquer outro sistema com temperatura positiva. Isso parece contraditório se consideramos que a temperatura de um objeto como proporcional a energia cinética média de suas moléculas, porem podemos resolver isso definido a temperatura de maneira mais rigorosa usando a relação termodinâmica $\dfrac{\partial S}{\partial E}=\dfrac{1}{T}$. Dessa forma para um sistema onde a entropia é uma função da energia, a temperatura será positiva quando a entropia for uma função crescente, e a temperatura será negativa quando a entropia for uma função decrescente. 

Fonte: Artigo Negative Absolute Temperature for Motional Degrees of Freedom$^7$

A temperatura negativa é um fenômeno que ocorre apenas em sistemas quânticos, e por consequência o teorema da equipartição não é valido nesse limite. Enquando isso na termodinâmica clássica onde o teorema é valido, sempre que aumentamos a energia a entropia também aumentar, dessa forma sempre teremos uma temperatura positiva.Os limites desse teorema estão relacionados com a origem da mecânica quântica, porque a Física é diferente nesse limite e pode ser atestada pela descrição correta de Planck acerca da radiação de corpo negro, a qual utilizar da quantização da energia.

 Inversão de População

Podemos obter uma temperatura negativa através da inversão de população entre níveis de energia de um sistema limitado superiormente e inferiormente, o que não é possível em sistemas macroscópicos.

Fonte: Equilibration rates and negative absolute temperatures for ultracold atoms in optical lattices$^1$

Para compreender a inversão de população consideramos um grupo de $N$ átomos que podem estar em dois estados, o estado fundamental com energia $E_1$ e o estado excitado com energia $E_2>E_1$. Sendo $N_1$ o número de átomos no estado fundamental e $N_2$ o número de átomos no estado excitado.

Para descrever a distribuição de partículas, como átomos ou moléculas, sobre estados de energia acessíveis a elas, usamos a distribuição de Boltzmann. Essa distribuição estatística que nos fornece a probabilidade de que um sistema esteja em um determinado estado em função da energia e da temperatura.

$\rho_i\propto exp(-E_i/k_B T)$

A partir dessa distribuição podemos obter a razão da quantidade de partículas de dois estados, essa razão é conhecida como fator de Boltzmann:

$\dfrac{N_2}{N_1}=exp\left( \dfrac{-\Delta E}{k_B T} \right ) $

Sendo $\Delta E$ a diferença de energia entre os dois estados, que pela relação de Planck é $\Delta E = h \nu$, sendo $\nu$ a frequência da luz emitida ou absorvida pelo átomo quando ele passa de um estado para o outro. 

Considerando a temperatura ambiente, a aproximadamente $300K$, e a frequência da luz na região do visível aproximadamente $5 \times 10^{14} Hz$, a razão entre $N_2$ e $N_1$ resulta em um número muito menor do que um. Assim no equilíbrio termodinâmico o estado mais populoso corresponde ao estado fundamental. Quando aumentamos a temperatura do sistema também aumentamos o número de átomos no estado excitado $N_2$, porém $N_1$ sempre será maior que $N_2$ no equilíbrio térmico, e no limite da temperatura tendendo para o infinito obtemos $N_1$ é igual a $N_2$.

A inversão de população como próprio nome diz, consiste em inverter o número de átomos nos estados $E_1$ e $E_2$, de maneira que o número de átomos no estado excitado ($N_2$) seja maior que o número de átomos no estado fundamental ($N_1$), este processo é impossível de ocorrer em sistema em equilíbrio térmico. Logo para conseguir a inversão de população precisamos conduzir o sistema a um estado de não equilíbrio, o que corresponde a uma temperatura negativa.

Experimentos Recentes

Em 2012 uma equipe formada por Ulrich Schneider e seus colaboradores da Universidade Ludwig Maximilian, em Munique, conseguiram alcança alguns bilionésimos de Kelvin abaixo do zero absoluto utilizando um gás quântico ultra frio de átomos de potássio. Para obter a temperatura negativa utilizaram uma técnica chamada de aprisionamento (ou armadilha) de átomos em redes ópticas. Essa técnica consiste em utilizar feixes de lasers e campos magnéticos para confinar o gás em determinado ponto com uma temperatura próxima ao zero absoluto.

Schneider e seus colaboradores conseguiram forma uma rede composta de vários pontos de confinamento, semelhante a um “cristal de luz”, como se cada átomo desse “cristal” fosse um pequeno aglomerado de átomos do gás confinados. Após criar essa configuração estável onde os átomos estavam em seu estado de menor energia, a equipe ajustou rapidamente os campos magnéticos, fazendo com que os a estrutura passasse a ter uma configuração instável onde os átomos possuem a maior energia possível. Segundo Schneider "É como andar por um vale, então imediatamente encontrar-se no cume da montanha." A rápida transição entre os estados faz com que a temperatura atinja alguns bilionésimos de Kelvin a abaixo de zero.

Fonte: Alcançada temperatura abaixo do zero absoluto$^2$

Analisando o que foi feito a partir do primeiro gráfico da entropia, podemos observar que inicialmente o sistema estava na primeira região do gráfico, mas quando os campos magnéticos foram ajustados rapidamente foi adicionado energia ao sistema, fazendo com quer este se encontrasse na segunda região onde a entropia é decrescente e consequentemente a temperatura é negativa.

O estudo da temperatura negativa pode ser de interesse de outras áreas da ciência, como a cosmologia, pois o comportamento dos átomos em neste estado termodinâmico se assemelha com a energia escura. Os cientistas esperavam que após o Big Bang, a expansão do universo estaria desacelerando devido a atração gravitacional das massas, porém foi observado experimentalmente que o universo esta expandido de forma acelerada. Para explicar isso os cosmólogos postulam que a energia escura seja a responsável por acelerar a expansão. Enquanto isso no experimento de inversão de população ocorre algo similar, os átomos do gás que deveriam si repelir mutuamente, comportam-se de maneira oposta se atraindo.

O estudo da temperatura negativa ainda é um território desconhecido na física, que nos reserva muito potencial ainda inexplorado, como um exercício para a sua imaginação, tente imaginar uma máquina térmica usando uma fonte fria com temperatura negativa. Após imaginar essa máquina incrível descreva nos comentários o que aconteceria se isso fosse possível.

Referências:

$^1$Akos Rapp, Stephan Mandt, Achim Rosch. Equilibration rates and negative absolute temperatures for ultracold atoms in optical lattices. 2010. <LINK>

$^2$Alcançada temperatura abaixo do zero absoluto. <LINK>.

$^3$Daniel Manzano. <Quantum Thermodynamics IV: Negative absolute temperatures>. 

$^4$Daniel Bezerra. A tal da temperatura negativa. <LINK>.

$^5$Marcos Moura, Carlos Eduardo Aguiar. Entropia e a Segunda Lei da Termodinâmica II. Entropia e Temperatura (dissertação).UFRJ. 2016. <LINK>

$^6$José Ricardo de Sousa. Preprint:Mecânica Estatística Formulação teórica e aplicações. 2019.

$^7$Ulrich Schneider. Negative Absolute Temperature for Motional Degrees of Freedom. 2012. <LINK>